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Masra de Abreu e Patrícia Rangel
Subsídios para debate sobre a conjuntura política e a composição do Congresso Nacional
Construção da resistência feminista antirracista
Os últimos dois anos foram marcados por duros ataques contra os direitos sociais no legislativo, e também, em especial, contra os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Antes das eleições, havia a esperança de que um resultado positivo poderia conter as ofensivas no campo dos DSDR. Contudo, o processo eleitoral resultou em um quadro ainda mais ameaçador, com a ascensão e o fortalecimento de quadros da extrema direita no Legislativo e no Executivo, prometendo a configuração de um bloco político que irá conter ferozmente os avanços da agenda identificada como de “esquerda” e promotora das liberdades individuais: educação não-sexista, descriminalização do uso de drogas e direitos sexuais e reprodutivos.
Este breve documento apresenta, de forma resumida, dados e considerações da “Radiografia 2018: análise global das eleições gerais” , documento elaborado pelo DIAP - Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. Está dividido em três partes: em primeiro lugar, contextualizaremos a agenda de reformas do atual governo federal; em seguida, apresentaremos em linhas gerais a formação do Congresso, identificando os principais inimigos dos DSDR (ou seja, a base de apoio do governo) e, por fim, faremos o mesmo para nossos possíveis aliados e aliadas (oposição ao governo). Aqui, faremos uma discussão bastante reduzida sobre as características da nova legislatura do Congresso Nacional: 513 deputados e deputadas federais e 54 senadores e senadoras eleitas (2/3 do Senado de renovação dessa legislatura). Para uma análise detalhada dos resultados eleitorais, e dos outros cargos (os 27 governadores e única
governadora e ainda sobre os 1.059 deputados e deputadas estaduais/distritais) recomendamos a leitura da Radiografia na íntegra e de nossos textos disponíveis no site do Cfemea .
Conjuntura política e a agenda de reformas do governo
O Congresso Nacional eleito em 2018, renovado em 52,2% na Câmara dos Deputados e, em 85%, em relação às 54 vagas em disputa no Senado Federal, será mais liberal (do ponto de vista econômico), fiscalista (do ponto de vista da gestão), conservador (do ponto de vista dos valores), mais à direita (do ponto de vista ideológico), e atrasado (em relação ao meio ambiente e aos direitos humanos). Pulverizado partidariamente e organizado em torno de bancadas informais –como a evangélica, a da segurança/bala e a ruralista– será o mais conservador desde a redemocratização. Segundo o DIAP, essa configuração mostra a desilusão generalizada da população quanto às instituições políticas e aos políticos profissionais. Mesmo os deputados e senadores tendo elaborado regras para assegurar a reeleição, a onda da renovação foi avassaladora: dos 513 deputados e deputadas, 268 são novos e novas ou não estavam no exercício do mandato na 55ª legislatura. Destes, 141 nunca tiveram experiência política anterior.
A expectativa da sociedade por serviços públicos de qualidade e pela manutenção de programas sociais é grande, e se mostra desproporcional à capacidade política e financeira do governo de atender minimamente essas demandas, seja pela inexperiência da equipe, seja pela vigência da Emenda Constitucional 95, que congela os gastos públicos em termos reais, e que o novo governo já disse que manterá, além de aprofundar o corte de despesas públicas, como parte de uma agenda de reformas composta por três fases: A primeira fase inclui retrocessos e desmontes da pauta remanescente do governo Temer que são do interesse do novo presidente, como: a) o cadastro positivo, b) adequações no orçamento para 2019, c) tributação dos fundos de investimentos, d) teto remuneratório, e) privatização da Eletrobrás, f) cessão onerosa do pré-sal, g) autonomia do Banco Central, h) distrato na compra de imóveis, i) agências
reguladoras, e j) telecomunicações.
A segunda fase, que deverá ser colocada em marcha logo nos próximos meses, referese às reformas estruturais, também divididas entre três temas: 1) o ajuste fiscal (inclui a reforma da Previdência, desvinculação da assistência social do salário mínimo e a extinção do abono salarial dos trabalhadores com renda até 2 salários mínimos, mudança na tabela do imposto de renda de pessoa física). Este bloco de reformas impacta violentamente as mulheres; 2) a reforma administrativa (fim da estabilidade no cargo, desativação de órgãos e entidades, transferência de atribuições e responsabilidade para outros níveis de governo, transversalidade dos cargos e carreiras, redução do salário de ingresso no serviço público); e 3) a privatização ou a venda de ativos.
A terceira fase é a que ataca mais diretamente a bandeira dos DSDR, por compor a pauta de costumes, valores e comportamentos. Neste bloco, encontram-se as agendas das bancadas ruralista, evangélica e da bala, que incluem vários temas, entre os quais merecem destaque: a) instituir ensino à distância; b) extinguir a progressão de penas; c) acabar com as saídas temporárias de presos; d) reduzir a maioria penal; e) rever o Estatuto do Desarmamento; f) liberar o porte de armas aos cidadãos; g) tipificar como terrorismo ações de movimentos sociais; h) ampliar o “excludente de ilicitude” aos policiais que matam no exercício da função; i) instituir a escola sem partido; j) proibir o debate sobre gênero; l) questionar os benefícios sociais decorrentes da união homoafetiva; m) combater os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Segundo o DIAP, essa fase “servirá de combustível para manter acesa a mobilização em favor do novo governo, devendo ser votada somente após as reformas estruturais”. Todas as fases mencionadas terão sua aprovação dependente da capacidade de articular o apoio do Congresso Nacional. Por mais que tal apoio esteja sujeito à mudanças de conjuntura, é possível fazer algumas previsões com base na configuração da nova legislatura e nas lealdades partidárias que verificamos ao longo do tempo. Vejamos como elas estão estabelecidas atualmente.
Base de apoio do Governo no Congresso Nacional
A Radiografia do Congresso aponta que, apesar de os rituais do Parlamento girarem em torno dos partidos políticos, o presidente vai adotar um novo padrão de formação da base, negociando com as bancadas informais, sobretudo a ruralista, a da bala e a evangélica. Quanto às estratégias para pressionar os partidos políticos e suas lideranças, o governo deverá utilizar basicamente três formas: 1) ameaça de consulta popular (referendo e plebiscito) sobre os temas que os partidos resistirem ou recusarem votar, 2) uso de redes sociais para constranger e pressionar parlamentares a votarem a agenda governamental, e 3) ameaça de retirar os recursos do fundo partidário.
Considerando que o novo governo possui uma agenda liberal, fiscal e conservadora, há uma grande afinidade programática e ideológica com boa parte dos partidos que conseguiram vagas no Congresso. Assim, a perspectiva de apoio parece significativa. Seguimos a classificação do DIAP, que divide a base em apoio consistente e apoio condicionado. No primeiro grupo, de apoio consistente, é provável que estarão tanto os partidos mais conservadores e de perfil liberal (ex.: DEM), quanto os conservadores mais segmentados (ex.: PP, que representa majoritariamente os ruralistas, PR e PRB, que representam os evangélicos) e os partidos que apoiam todo e qualquer governo, como o PTB e o PSD. Deverão compor o apoio consistente na Câmara 256 parlamentares (49,9% do total) dos seguintes partidos: PSL, PP, PR, DEM, PSD, PTB, PRB, Pode, PSC, PHS, PRP e DC. No segundo, de apoio condicionado, estarão os partidos mais ao centro do espectro político, alinhados com o governo Michel Temer, como o PSDB e MDB. Seriam 117 deputados (27,3%) do MDB, PSDB, SD, PPS, Novo, Pros, Avante, Patri, PMN e PTC.
Com exceção do governo Collor, todos os presidentes e a presidenta iniciaram seus governos com elevado apoio parlamentar, conforme registro histórico da base de apoio no gráfico abaixo.
Se somarmos o apoio consistente com o apoio condicionado, veremos que Collor iniciou seu governo com 63,6% de apoio na Câmara; Itamar, com 90,1%; FHC com 80,1% no primeiro mandato e 74,7% no segundo. Lula teve apoio de 63% das deputadas e deputados em seu primeiro mandato e com 73,5% no segundo, enquanto Dilma teve 78,2% de apoio no primeiro mandato e 65,7% no segundo. Michel Temer a substituiu com 80,1% de apoio após o golpe e Jair Bolsonaro inicia seu governo com 72,7% de apoio da Casa. Ou seja, em comparação com os governos anteriores, o atual parte de um patamar muito elevado de apoio, embora também tenha uma oposição que só será menor que a de Collor, a de Lula em seu primeiro mandato, e a de Dilma em seu segundo. Na prática, isso significa que, na Câmara, o governo deverá ter votos suficientes para aprovar matérias na esfera infraconstitucional (especialmente leis ordinárias e medidas provisórias), que exigem maioria simples, mas necessitaria negociar com os partidos do centro, classificados como apoio condicionado para aprovar leis complementares e emendas à Constituição.
No caso do Senado, até para aprovar lei ordinária e medidas provisórias, o governo necessitaria negociar com os partidos classificados como apoio condicionado. Lá, considerando todos os 81 senadores e senadoras (eleitos na renovação de ⅔ durante o pleito de 2018 e o ⅓ que entrou em 2014), o estudo do Diap estima que o apoio consistente será de 37 senadores, ou 45,7% (dos partidos PSL, PP, PR, DEM, PSD, PTB, PRB, Pode, PSC e PHS), enquanto o apoio condicionado será de 27 senadores ou 33,3% (oriundos do MDB, PSDB, SD, PPS, Pros e PTC), somando 79% de apoio. No Senado Federal, o apoio consistente seria menor que na Câmara, o que exigiria um esforço de coordenação adicional para garantir o apoio condicionado. Se o governo tiver sucesso nessa empreitada, terá no Senado um apoio maior do que na própria Câmara.
Já foram escolhidos os presidentes da Câmara e do Senado Federal, cargos estratégicos, já que o governo precisa de seu apoio para fazer passar sua agenda. Para o governo, é positivo eleger alguém com identidade programática e que pertença a um partido da base, sobretudo no Senado, pois o presidente do Senado é também presidente do Congresso Nacional e pode, por exemplo, devolver medidas provisórias que considere não ter atendido os pressupostos de sua edição: relevância e urgência. O PSL, como o segundo maior partido da Câmara, depois do PT, teria todas as condições de pleitear a vaga de presidente, mas o General Petterneli (PSL/SP) obteve somente 2
votos e ficou em último lugar na votação. Rodrigo Maia (DEM/RJ), comprometido com a Reforma da Previdência, venceu com 334 votos. No Senado Federal, venceu Davi Alcolumbre (DEM/AP).
Oposição ao Governo no Congresso Nacional
Como vimos na seção anterior, em termos quantitativos, houve grande renovação na Câmara, mas não podemos dizer o mesmo em relação à qualidade dessa renovação. A maioria absoluta dos novos e novas foi eleita por ser liderança evangélica, policial linha dura, celebridade ou parente de políticos tradicionais. Foram também eleitos alguns expoentes da “nova direita”, cujo único cabedal é terem liderado movimentos antipolítica, negando a validade do próprio sistema político-eleitoral, e de movimentos liberais, como o MBL – Movimento Brasil Livre. Boa parte não conhece as regras da política e pretende utilizar o mandato para se vingar do que consideram os inimigos da família, da pátria e da probidade, ou para defender o Estado mínimo.
Segundo a Radiografia, a despeito da ampliação da diversidade, com a presença de indígenas e o aumento de mulheres, negras, jovens, deputados e deputadas conectadas com as redes sociais e mais parlamentares em primeiro mandato, o novo Congresso é o mais conservador dos últimos 30 anos. Segundo levantamento do DIAP, um terço dos campeões de votos pertencem a partidos de centro, centro-esquerda e esquerda e dois terços vieram de partidos de direita e centro-direita.
Na Câmara, 210 deputados e deputadas de direita (PSL, DEM, PP, PR, PRB, PSC, Novo, Patri, PRP, PTC e DC), 93 de centro-direita (PSDB, PSD, Pode, PTB, PHS e PMN), 76 do centro (MDB, SD, Pros, PPS, Avante, PV, Rede e PPL), 60 de centro-esquerda (PDT e PSB), e 74 de esquerda (PSol, PT e PCdoB). O estudo aponta que a oposição será composta por 140 parlamentares (27,3% do total), que viriam dos partidos mais à esquerda do espectro político: PT, PSB, PDT, PCdoB, PSOL, Rede, PV e PPL e não são poucos. Como vimos acima, o novo governo começa com uma oposição que só é menor que a de Collor, a de Lula em seu primeiro mandato, e a de
Dilma em sua segunda administração.
Ainda assim, a correlação de forças está desfavorável à área social, aos direitos humanos, ao meio ambiente e às trabalhadoras e trabalhadores. A bancada sindical, por exemplo, teve uma redução de aproximadamente 20 integrantes, enquanto as bancadas conservadoras vêm fortalecidas, tanto pelo fato de suas pautas terem sido apoiadas por um dos candidatos à Presidência, quanto pela razão de que as bancadas da bala e a evangélica cresceram, e a bancada empresarial se manteve grande (a ruralista foi reduzida).
Também os partidos da esquerda perderam espaço de representação se compararmos com as eleições de 2014, com exceção do PSOL, que aumentou sua votação em mais de 800 mil votos. Os principais perdedores foram o PCdoB e o PT, com queda respectiva de 22% e 16%. Apesar disso, o PT continua tendo a maior bancada da Câmara (55 parlamentares), sendo seguido pelo partido do presidente eleito, o PSL (52 parlamentares), que passou de pouco mais de 100.000 votos em 2014 para 7.600.000 em 2018 (quando se analisa os votos de legenda, somado aos votos nominais, constata-se que o PT e o PSL, um pela esquerda e outro pela direita, foram os
partidos que mais receberam votos de legenda, com mais de um milhão de votos cada). Dos 35 partidos com registro no Tribunal Superior Eleitoral, somente 3 não elegeram ninguém neste pleito: o PCB, o PCO e o PSTU, todos de esquerda.
Já no Senado, a maior presença é das forças de centro, com 29 senadores (MDB, SD, Pros, PPS, Rede e PPL), seguido da direita, com 22 (PSL, DEM, PP, PR, PRB, PSC, PRP e PTC), da centro-direita, com 13 (PSDB, PSD, Pode, PTB e PHS), da esquerda, com 11 (PSol, PT e PCdoB), e da centro-esquerda, com 6 (PDT e PSB). Outros levantamentos apontam um crescimento da direita no Congresso da ordem de 30%, alcançando 301 deputados e 41 Senadores a partir de 2019. A oposição, segundo a Radiografia, será composta por 17 senadores e senadoras (21% do total).
Em contraposição ao crescimento das bancadas conservadoras, algo inédito que certamente beneficiará a defesa dos direitos humanos e a construção de debates plurais e em defesa dos direitos das mulheres, pelo combate efetivo à violência; a toda forma de exploração do nosso trabalho produtivo e reprodutivo; à discriminação de gênero, raça e etnia é o crescimento considerável do número de deputadas federais feministas.
Dentre as 77 mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados (15% do total de eleitos e eleitas, bem mais do que os 10% do pleito de 2014), cerca de 36 são feministas (ao passo que somente 9 são do PSL). Em seus cargos anteriores (geralmente como vereadoras), essas mulheres exerceram seus mandatos com participação popular, em gabinete itinerante, aproximando a política das pessoas, elaborando projetos de lei relacionados aos direitos das mulheres. As deputadas estão cientes de que esta legislatura implicará em muito enfrentamento para evitar retrocessos e ampliar a representação substantiva das mulheres diversas e da luta antirracista.
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