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Anamaría Cofiño K.,
Guatemala
Mulheres nas narco-eleições
Vistas de longe, as eleições guatemaltecas a serem realizadas em junho deste ano pareceriam cômicas. Os mais de 25 partidos políticos tradicionais, organizações de corte caudillista [1], caracterizadas por práticas delinquentes, são incapazes de gerar um discurso articulado e mais ainda de apresentar um programa viável. Seus estribilhos de campanha se baseiam no fortalecimento da família patriarcal, na instauração da pena de morte e na segurança legal para a indústria extrativista.
Observar muitos dos que competem para administrar as instituições do Estado dá pena: uns dançam, muitos rezam, outros oferecem o impossível e não falta quem ameace com a ideia de colocar o exército nas ruas. Ex-presidiários, traficantes, desertores, impostores, negociantes e todo tipo de mafiosos, entre eles, alguns militares acusados de cometer vários delitos; parentes e amigos de ex-funcionários, velhos mau caráter, velhas autoritárias, filhinhos de papai, contraventores do congresso e demais criaturas apresentaram suas candidaturas como candidatas/os a prefeituras, câmara dos deputados e até para a presidência. Suas experiências profissionais são limitadas e a idoneidade para exercer os cargos, inexistente.
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Na oposição, estão as propostas de grupos políticos surgidos de organizações revolucionárias, socialdemocratas, indígenas e camponesas, que hoje participam –algumas pela primeira vez – de eleições nacionais. Semilla e o Movimento pela Libertação dos Povos (MLP) são, para a direita seguidora da classe crioula, a encarnação do comunismo e do diabo; suas candidatas são duas mulheres com o
mesmo nome e com diferentes trajetórias e propostas, respectivamente. Thelma Aldana, de direita progressista assumida, contará com o apoio da embaixada norteamericana e de setores das classes médias urbanas; e Thelma Cabrera, que se apresenta como o suporte de um setor do movimento camponês onde ela se criou, talvez conte com apoio dos povoados e da minoritária e dividida esquerda radical.
Daqui, vemos com aflição que a maioria dessas organizações politiqueiras é a viva representação da cultura de impunidade que vem se estendendo por toda a sociedade, com suas expressões de mediocridade, corrupção e violência, tudo isso sob o milagroso manto da fé. Somado a isso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão que deveria garantir o cumprimento das leis, também deu mostras de corrupção
e ineficiência, inscrevendo indivíduos indicados de terem cometido vários delitos.
A recente captura nos Estados Unidos de Mario Estrada, acusado de contratar pistoleiros para eliminar opositores, e candidato à presidência pela UMN 2 (União da Mudança Nacional), partido de narco-direita, evidencia que o TSE é mais uma instituição do Estado cooptada pelas máfias, na qual encontramos honrosas exceções, como a licenciada María Eugenia Mijangos, colega feminista que dentro do TSE tem lutado contra a corrupção do processo, denunciando a perseguição política e as más práticas dentro da instituição.
Em meio a semelhante panorama, onde o machismo se exibe ostentosamente, destaca-se a presença de muitas mulheres: aspirantes à presidência e vicepresidência, a assentos na câmara e a prefeituras municipais. Até agora, o TSE não oferece números definitivos sobre mulheres candidatas, mas é notório que são numerosas as que aparecem nas cédulas eleitorais, embora não nos lugares ganhadores. Dado que o padrão eleitoral mostra uma maior quantidade de mulheres inscritas como votantes ou elegíveis (53,7%), poder-se-ia pensar que isso poderia definir o rumo do país, mas não é tão simples.
As mulheres na Guatemala são as mais pobres, as que têm menos acesso à educação e as que correm mais riscos de violência desde a infância até a velhice. A maioria são indígenas de diferentes etnias; também há xinkas 3 , afrodescendentes, garífunas 4 , mestiças provenientes de diversos lugares e classes, com diferentes opiniões e condições. As religiões fizeram muitas delas as suas presas, e quem se inclina pela esquerda enfrenta sua lamentável fragmentação. Entre as feministas há quem rejeite veementemente os processos eleitorais por considerá-los excludentes, e quem aposta neles para se envolver e tentar as transformações, a partir do que há.
Não estamos de acordo neste sentido; muitas vivemos as eleições como momentos de ruptura com nossos próprios projetos.
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Como ocorreu em vários contextos, as lutas feministas abriram caminhos para outras mulheres que não têm interesse em promover os direitos das mulheres. Dessa conta, encontramos as irmãs, esposas, filhas, namoradas de ex-funcionários corruptos, pretendendo ocupar os campos nas cédulas eleitorais. Os casos mais conhecidos são o da ex-deputada Zury Ríos, que está impedida constitucionalmente de participar por ser filha do golpista e genocida Efraín Ríos Montt, e o de Sandra Torres, ex-esposa do ex-presidente Álvaro Colom, que responde a processo por fraudar o Estado. Torres construiu uma rede de cliente de apoio considerável, junto a personagens vinculados
ao narcotráfico que lhe proveem recursos para alcançar o poder. Ambas têm aspirações presidenciais e estão tratando de distorcer as leis para se favorecer. A presença de tantas mulheres conservadoras se explica porque o sistema patriarcal aprova, abençoa e propõe aquelas que lhe são funcionais, obedientes a seus mandatos e, revestindo-as de um poder designado, converte-as em seus fiéis pilares
e reprodutoras.
Que em um país machista e racista como este haja várias mulheres indígenas inscritas para ser candidatas a diferentes cargos é, sem dúvida, importante. Menciono algumas: Blanca Estela Colop e Liliana Hernández, concorrendo à vice-presidência com organizações de esquerda, ambas profissionais de reconhecida trajetória; Bibiana Ramírez, Rutilia Ical para a câmara dos deputados; María Caal para a
prefeitura de Santa María Chabón e Thelma Cabrera, camponesa da etnia mam 5 , em campanha para a presidência da república, com uma proposta de refundação do Estado. Embora desconfiemos dos partidos que as representam, acreditamos que muitas delas poderiam exercer seus cargos com dignidade, igualmente a outras mestiças que se lançaram na arena política.
Algumas feministas apoiam a candidatura de Thelma Aldana, advogada e ex-Fiscal Geral da República, protagonista dos avanços promovidos pela CICIG (Comissão internacional Contra a Impunidade na Guatemala) que colocou perante a justiça vários grupos criminosos, e na prisão o ex-presidente e a ex-vice-presidente do mandato anterior. Sem dúvida, é uma figura central desse ambiente político: o empresariado não a apoia porque sabe que poderia encabeçar várias causas contra os empresários e destampar o poço sem fundo de sua histórica corrupção. Até hoje, diferentes grupos de direita seguem colocando obstáculos à sua inscrição como candidata à presidência, entrando com recursos contra sua candidatura, alegando um amplo e absurdo leque de causas.
Thelma Cabrera, por outro lado, é uma dirigente camponesa mam que participou de centenas de assembleias populares nas quais foi eleita como representante do MPL para competir pela presidência. Nos últimos dias, um advogado de origem espanhola, ligado a empresas que estão tirando os povos de seus rios para construir megas hidroelétricas, tentou impugnar sua candidatura. Até hoje não sabemos qual o
resultado de sua gestão. Thelma Cabrera continua caminhando por aldeias, povoados e vilarejos, apesar de que vários integrantes de sua organização tenham sido assassinados e cujos crimes continuam impunes. Algumas feministas a apoiam por sua proposta de construir um Estado pluricultural, popular, inclusivo. Outras questionam suas abordagens com relação às mulheres porque, a partir de suas perspectivas, podem parecer conservadoras. Em todo caso, sua candidatura é excepcional, embora não seja a primeira, posto que Rigoberta Menchú já tinha participado antes, também competindo para o referido cargo.
Finalmente, é necessário acrescentar que há mulheres jovens que se apresentaram como candidatas a partir de seu desejo para transformar as injustiças. Embora as estruturas políticas continuem sendo hierárquicas, colonialistas, misóginas, igualmente aos que as integram, algumas valentes se adentram nesse campo, com a crença de que podem contribuir para construir outra sociedade a partir de novas estruturas. Ali, por exemplo, está Lucrecia Hernández Mack, candidata à deputada nacional por Semilla, sanitarista, ex-Ministra da Saúde, representa a geração que hoje se envolve na política, mesmo sabendo como ela é suja.
Pessoalmente, considero que o sistema de partidos políticos guatemalteco está tomado pelos grupos da impunidade, e isso dificulta uma participação em condições de igualdade. Porém a história nos mostrou que as mudanças podem vir de onde menos esperamos. É uma responsabilidade votar em alguém, significa lhe dar poder, conceder-lhe representação. Hoje, que termino este artigo, nada está claro, as
candidaturas estão na corda bamba, o mesmo processo talvez corra perigo. O que tenho certeza é que no domingo das eleições, pela primeira vez na vida, vou marcar ao menos algumas opções, votando em mulheres em quem depositarei minha confiança.
Aldea Tzununá, Sololá, Guatemala,
20 de abril de 2019
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