Mulheres perdidas na sexualidade
Ingrid Cárdenas Rodríguez
Sou uma mulher que nasceu em 1990. Cresci na cidade de Bogotá acompanhada de uma família numerosa, de critérios políticos e socioeconômicos diversos, mas muito conservadora em sua educação. No mesmo ano que eu, nasceram cinco primos com os quais cresci e compartilhei muitos momentos de minha infância. Éramos como irmãos, amigos e vizinhos; dois homens e o resto mulheres. A diversidade de que falo faz referência a diferentes formas de pensar, de atuar e de ver a vida.
Quando nos reuníamos todos nas festividades típicas da Colômbia (em primeiras comunhões, quine anos, casamentos, natais, etc.), conseguíamos ser quase cem pessoas em um só lugar, o que dá uma pequena mostra da sociedade colombiana na capital, com todos seus matizes, carreirismos, suas diferenças políticas, sociais, econômicas e demais. Tudo isso encheu minha história de encontros e desencontros familiares.
Dos primos nascidos em 1990, eu sempre fui a “menos desenvolvidinha”, a que aprendeu a dançar tarde, a que não tinha namorado nas festas de quinze anos, a que tinha uma fisionomia menos voluptuosa, entre outros detalhes estéticos e superficiais que hoje sei que não têm relevância e que, em minha infância, e adolescência não geraram em mim maior inconveniente, já que meu núcleo familiar era super protetor e gerava uma bolha, onde eu era o centro das atenções. Isso, de algum modo, impediu que esses detalhes externos me afetassem drasticamente. Minha mãe e meu pai foram muito pedagógicos na criação; tenho um irmão menor e nunca nos foi atribuído papéis de gênero nas dinâmicas da casa, nem houve comentários machistas de nenhuma índole. De fato, fortaleceram muito nossas personalidades e critérios, recalcando sempre o respeito para com nós mesmos, para com nossos corpos e evitando mensagens misóginas, homofóbicas ou patriarcais.
Tive uma infância e adolescência maravilhosas, foram anos inesquecíveis, cheios de amor, felicidade e família. Contudo, aos meus 19 anos, senti uma grande necessidade de explorar minha vida sexual. Ainda era “virgem”, diferentemente de minhas primas ou amigas contemporâneas, associado a que meu desenvolvimento físico e mental se deu tardiamente. Nesta época, decidi por conta própria explorar minha sexualidade, mas não sabia como fazer e não queria comentar com meus pais, embora a relação fosse de confiança. Apesar de não serem conservadores, existia a ideia da virgindade como algo que devia “cuidar” ou, em todo caso, devia ser responsável em decidir com que pessoa queria ter minha primeira experiência. Isso era recorrente em nossas conversas.
A ideia de “virgindade” continua estando muito associada a uma santidade religiosa que nos faz sentir culpadas ou “pecadoras” quando queremos explorar para reconhecer nosso corpo e sentir o próprio prazer. Nessa idade, eu já me masturbava; portanto, o reconhecer meu corpo e meu prazer não era tão difícil. O que gerava curiosidade em mim era compartilhar estas experiências com outra pessoa. Ainda não havia tido um namorado e queria relacionar minha sexualidade com o amor (porque assim te ensinam os filmes). Também não era das mais conservadoras do colégio; portanto, tinha aprendido a beijar, graças aos jogos de infância que têm um pouco de morbidez como é o “verdade ou desafio” (pegas uma garrafa e giras e as pessoas situadas em cada extremidade devem-se beijar), experiências que me ajudaram a ter critérios de seleção de acordo com meus gostos: pude definir para mim quem beijava feio e quem não, e como eu queria beijar de acordo com o acaso desses jogos adolescentes.
Aqui é onde começo a me identificar como uma mulher perdida, perdida na sexualidade. Tinha um grande desejo de explorar minha sexualidade com outro corpo, mas não sabia como fazer, não sabia seduzir, até que consegui convencer um amigo para que estivesse comigo em minha exploração sexual. Ele já tinha experiência, mas não queria explorar a sexualidade comigo, porque me via como uma irmãzinha. Foi difícil convencê-lo, mas logo milhares de dúvidas chegaram a mim. Comecei a me perguntar por que tenho que convencê-lo? Logo: a atração sexual não se dá de maneira natural? Será que o fato de que eu seja persuasiva com meu amigo para conseguir minha exploração forçará o momento e fará com que seja menos agradável? Porém todas essas dúvidas passaram a um segundo plano já que meu objetivo principal era fazer sexo. Tivemos uma longa conversa sobre relações sentimentais, expressei que minha necessidade não era ter especificamente um namorado e tampouco significava que estivesse apaixonada por ele, porque meu interesse mais além do namoro e do amor era a sexualidade e o desejo. Meu amigo, um homem lindo, de bons sentimentos e grande amor, consentiu esta combinação mútua. Realizamos um ritual um pouco romântico para fazer com que eu me sentisse bem. Depois disso, pensei que ia me apaixonar por ele (muitas amigas de minha idade e minhas primas diziam que se apaixonaram pelo seu primeiro parceiro sexual). Isso não aconteceu comigo, talvez não me apaixonei por meu amigo porque meu interesse não era o amor, mas a sexualidade.
Logo tive novas experiências sexuais e amorosas. Me apaixonei, me apaixonei muitas vezes. Entretanto, com o tempo, descobri que muitos dos homens que conhecia eram menos cuidadosos e menos amorosos do que pensava, e tinham uma ideia de sexualidade baseada em sua própria satisfação. Isso me desanimou. Em alguns casos, sentia culpa ou que não era tão sensual, ou que meu corpo e minha expressão sexual não eram suficientes. É terrível como o egoísmo dos homens afeta diretamente a mulheres. A violência psicológica relacionada com a sexualidade gera inseguranças físicas e emocionais. Em 2016, conheci um homem que fazia parte de um processo de comunicação popular, um homem que não era muito atraente, mas que me atraía.
Contei a meus amigos mais próximos que tinha vontade de me aproximar dele, para saber se eu gostava dele ou era apenas curiosidade sexual. Eu, como sempre, tomei a iniciativa de paquerá-lo, ao que ele respondeu de maneira positiva e, prontamente, conseguimos ter um momento de intimidade juntos. Minhas expectativas não eram muito altas, contudo, foi o momento mais decepcionante de minha vida. Desde esse momento, aquele homem para mim é conhecido como o “sem pênis”; o que mais me decepcionou é que, por estar voltado para sua própria satisfação sexual, nunca senti seu sexo, nunca tirou minha roupa e nunca despertou em mim o desejo. Foi a experiência mais horrível de minha vida e, por isso, decidi apagá-la de minha mente.
Me sentia mal com meu corpo, acreditava que jamais iria voltar a desfrutar da sexualidade, que minha vagina estava muito grande, que não voltaria a sentir prazer. A única alternativa que vi nesse momento foi tomar a atitude do esquecimento, de passar uma esponja. Como era de se esperar, aquele sujeito tentou buscar um novo encontro íntimo, ao que respondi respeitosamente que não. Não fui capaz de lhe dizer que tinha sido a minha pior experiência, para não fazer com que ele se sentisse mal. Nós pensamos neles mais do que em nós mesmas, por isso tratamos de não os ferir, de ter tato para dizer ou fazer as coisas. Grave erro! Devia ter sido sincera, dizer-lhe que era a pior pessoa na intimidade, que era muito egoísta e que devia repensar como estava se relacionando com as mulheres. Tristemente isso não ocorreu: fui submissa e respeitosa até chegar ao ponto de ser cordial.
Ao oferecer-lhe posteriormente minha amizade, mas me negando a uma nova aproximação sexual, este homem “Sem pênis” adotou uma postura que me incomodava, já que tentava aproximar-se de mim falando mal de sua ex-companheira, fazendo-se de vítima pelo tratamento que ela lhe dava e dizendo-me os nomes de outras mulheres com as quais saía. Eu lhe dava conselhos para que tentasse falar com ela, que talvez deveria se distanciar por um tempo e outras recomendações das quais já não me lembro com clareza. Assim, passaram-se quatro meses; não voltei a ter nenhuma aproximação com ele e procurava evitar os espaços comuns. Continuávamos nos falando, mas pelo chat. Assim, minha vida seguiu, conheci outra pessoa, um garoto jovem que me fez voltar a sentir desejo e desfrutar de meu corpo, fez com que eu me reencontrasse com minha sexualidade (aí, soube que minha vagina não era grande, mas faltava estímulo e uma pessoa que não pensasse apenas em satisfação pessoal). Foi maravilhoso e fui muito feliz.
Ser uma mulher pedida na sexualidade me permitiu aprender dos maus homens, das más experiências, dos egoísmos sexuais, do poder patriarcal na sexualidade, mas me permitiu aprender sobre o prazer e, especificamente, sobre meu próprio prazer, sobre meu corpo, meu desejo e como são importantes esses elementos para nós, as mulheres. Depois dessa experiência traumática, fortaleci minhas redes de apoio, me reencontrei com minhas amigas, compartilhamos experiências, muitas delas muito ruins e tristes. As mulheres sofremos muito emocional, afetiva e sexualmente; portanto, é importante nos escutarmos, nos encontrarmos e nos apoiarmos para nos tornarmos fortes todas. A sexualidade, ainda, tem muitos tabus e limitações para as mulheres, sem distinção de idade ou estrato socioeconômico; a sociedade ainda nos julga por tomarmos as rédeas de nossa exploração sexual e os homens continuam tendo o privilégio social e a legitimidade que justifica seu mal comportamento e sua irresponsabilidade emocional e sexual, lhes permite ser maus amantes, maus esposos, maus companheiros, maus irmãos, maus filhos, e nós continuamos carregando o peso dessas culpas alheias, continuamos sendo perseguidas, apontadas, maltratadas, violentadas e assassinadas.
Fui uma mulher perdida na sexualidade, em uma sexualidade que se rege por um modelo patriarcal e machista, perdida em uma sociedade que não ensina a explorar, a cuidar e a consentir o próprio corpo, em um contexto onde se permite ser violentos, medíocres e egoístas em suas relações e com suas companheiras. É por isso que devemos (des)construir a ideia da sexualidade associada ao pulcro ou relacionada à santidade, devemos transformar estes critérios em direção à exploração do prazer e do desejo de nossos corpos em constante interação e relação com os outros.