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Silvia Camurça - Luta necessária da política feminista

Resistir à reforma ultraliberal da Previdência

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As ‘reformas’ dos sistemas de proteção social estão colocadas na pauta das forças de direita em toda parte onde existem, seja como ataque ao Estado de Bem-Estar europeu, seja como desmonte dos pactos promotores de justiça social conquistados em vários países latinoamericanos desde os anos 1980 e nos recentes governos de centro-esquerda/populares na região. Em que pese a diferença de contextos em que as reformas vão sendo impostas, vale destacar marcos comuns que confrontam a política feminista sustentada em torno da defesa das mulheres, suas vidas, seus direitos, seu lugar de cidadãs.


As reformas sustentam-se no fim da solidariedade social, liberam a burguesia rentista de devolver a sociedade parte das riquezas extraidas do trabalho coletivo. As reformas deixam na costa das mulheres a solidariedade social entre mulheres via ajuda mutua, rede familiares e comunitarias para cuidados, na doença, na velhice, na infância e na maternidade. E por isso empurram as mulheres de volta à estrutura da família patriarcal e à vida doméstica, restringido seu potencial humano a cuidadoras e servas da sociedade, bloqueia sua emancipação. As reformas aprofundarão a pobreza, adoecimento e morte das mulheres, seja por ameaçarem a renda em momentos onde não for possível trabalhar para ter renda, seja por limitar a possibilidade de autonomia economica na velhice, seja ainda por rebaixar valores minimos para trasnferencia de renda em situações de extema pobreza, via assistencia social.


O caso do Brasil é emblemático. De um golpe machista, misógino, racista, patriarcal e ultraneoliberal só poderia nascer um governo igualmente péssimo para a autonomia de todas as mulheres: fim das políticas para igualdade de gênero e racial, fim das políticas de apoio à agricultura familiar e de comunidades tradicionais, aumento da política de violência policial contra população negra e de periferia, fim do compromisso com segurança alimentar e nutricional, combate à educação para cidadania crítica, nenhuma política de promoção de emprego, fim do Ministério do Trabalho, retomada dos manicômios e tratamento com choque elétricos, velhos conhecidos das mulheres internadas à força.


Desde o golpe de 2016 e com a implementação das medidas do atual governo, o lugar reservado para a classe trabalhadora, mulheres, povos indigenas e população negra só diminuiu na visão de sociedade dos atuais mandatários. A visão de sociedade deles tem seu núcleo na família patriarcal pequeno-burguesa, unidade de consumo formada pelo homem chefe de família-provedor, sua mulher (supostamente ‘bela, recatada e do lar’) e seus filhos legítimos, nascidos deste casamento civil, já que os demais seriam ‘bastardos’. Esta visão complementa-se com a abordagem dos direitos sociais como privilégios de alguns, e a naturalização do caráter anti-social da burguesia como legítimo, o simples fato de oferecer postos de trabalho já seria sua contribuição social. Ou seja, apagam as relações de exploração e concentração de riquezas, ao memso tempo que o mundo chegou ao mais alto grau de concentração ede riquezas e desegualdades ( Thomas Piketty,e outros bem desmontraram).

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E nós, mulheres?


No Brasil, nós mulheres somos a grande maioria de aposentadas por idade e com apenas um salário mínimo, o piso. E por quê? Porque as desigualdades no mercado de trabalho capitalista, patriarcal e racista são transferidas para dentro do sistema de proteção social capitalista, patriarcal e racista de nosso país.


Somos nós, as mulheres, que ganhamos menores salários, somos mais vezes demitidas, empurradas para os setores precarizados do mercado de trabalho ou que os setores que mais sonegam contribuição patronal à previdência.


Nós, mulheres da classe trabalhadora brasileira, majoritariamente formada pela população negra e não branca, somos aquelas pessoas que, ao longo da vida produtiva, mais vezes paramos de trabalhar por razões ‘privadas’: violência, gravidez, abortos, partos, para cuidar de outros familiares, crianças, idosos, deficientes de algum tipo. 

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Enfim, aos 60 anos temos menor tempo de contribuição à previdência, mesmo começando a trabalhar cedo e trabalhando por toda a vida e por isso na maioria das vezes só conseguimos aposentar por idade. Ao contrário dos homens, que na sua maioria aposentam-se por tempo de contribuição.

Esta ‘desvantagem’ foi construída na reforma da previdência da era FHC 1 , que acabou com a aposentadoria por tempo de serviço, valendo para efeito de aposentadoria apenas os anos em que foi ‘pago’ por este direito. O Governo FHC acabou também com o Conselho que iria cuidar do Orçamento da Seguridade Social, orçamento nunca implantado por força do bloqueio à

 justiça social perpetrado pelo capital financeiro.

Seguridade Social, Pública, Universal e Solidária foi dura conquista social no Brasil


O sistema de proteção social do estado brasileiro foi uma conquista pós ditadura, data da Assembleia Constituinte de 1988. Chamado de Seguridade Social conquistamos ali, no artigo 194 da Constituição Federal vigente, um sistema que inclui o financiamento a saúde pública, assistência social e previdência social, tomados como direitos de todos e dever do estado brasileiro.


São constitucionais as principais fontes de financiamento deste sistema (artigo 195 CF): a contribuição patronal e a contribuição do/a trabalhador/a; a contribuição da empresas sobre o lucro (Contribuição Social sobre Lucro Líquido), a contribuição da população que incide sobre o consumo (COFINS – Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), esta última a maior arrecadação do país; e ainda o PIS/Pasep, a arrecadação sobre importações e a contribuição que incide sobre as apostas de loterias. A taxação sobre operações financeiras seria outra possibilidade, que colheria contribuição sobre os investidores do mercado financeiro. (https://auditoriacidada.org.br/conteudo/mascara-do-deficit-da-previdencia/)


Foi por conquista que a figura de ‘indigente’ foi retirada do ideário social, todos e todas tornaram-se cidadãos e cidadãs portadores de direitos sociais. O acesso a saude pública tornou-se universal, e não apenas para quem estava no mercado formal.


Mas apesar de Constitucional, essa conquista da seguridade social no Brasil vem sendo atacada desde que foi conquistada. Com a derrota da esquerda nas eleições de 1989 e a vitória do campo liberal, sucederam-se reformas: o congresso apoiou sucessivas DRUs
(Desvinculação de Receitas da União), retirando a cada ano muito dinheiro das fontes constitucionais que deveriam financiar a seguridade social, criando falsamente o déficit da previdência, que não existe.


Há ainda a política de desoneração. O agronegócio, por exemplo, não paga a contribuição, enquanto mantém-se cobrança sobre a agricultura familiar, que afinal é apontada como causa do suposto déficit. E é enorma a sonegação fiscal de grandes empresas em todas as áreas dos ‘negocios’.


No momento, a ultra direita liberal deseja acabar de vez com qualquer possibilidade de solidariedade de classe, ou seja, deseja deslegitimar o direito à seguridade social como direito universal, de todos e todas, ao mesmo tempo que deseja desobrigar a burguesia de contribuir com financiamento de direitos e assim desobrigando-a também de devolver para a sociedade, na forma de impostos, uma parte do muito que acumula com a exploração do trabalho alheio, como se os lucros fossem algo legítimo.

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Lucro e enriquecimento em detrimento da qualidade de vida de outros seres humanos é
imoral, ilegítimo, inaceitável. Enquanto existir pobreza, miséria, fome, desamparo, impossibilidade de sustentar a si mesmo por seu próprio trabalho, limites educacionais e de saúde, será preciso repartir a riqueza, sempre. Em nome daquilo de humano que ainda resta em nós.

Modelo de capitalização é insustentável


No Brasil,l o falido modelo chileno de capitalização para seguridade social, é a proposta. A capitalização privatiza a seguridade, obrigando cada pessoa a pagar por sua própria proteção social, o que é uma impossibilidade real para milhões de pessoas. Quem ganha pouco ou não ganha, não pode poupar para velhice, para os momentos de doença ou impossibilidade de trabalhar, nem pagar planos de saúde ou serviços de assistência social. Quem ganha tão pouco, não pode pagar previdência privada. E nós, as mulheres, ganhamos muito pouco, pior remuneradas e em relaç~eos trabalhistas precarizadas e informais.


Este modelo já se demonstrou falido no Chile, embora pareça bom pra classe média, sempre interessada em pagar apenas para seu próprio benefício. O modelo liberal de capitalização no Chile foi implantando a força na ditadura Pinochet, é apontado como fator importante no aumento continuado de suicídios entre idosos naquele país, pois não assegurou as mínimas condições de sobrevivência digna na velhice.


Para nós, em país de tamanha desigualdade como o Brasil, somente previdência pública, universal e solidária é possível. Solidária porque quem paga e quem não pode pagar, recebe, quem tem mais paga mais e quem tem menos paga menos. Além disso, tanto quem vive do trabalho e consome pouco, como quem enriqueceu e consome muito paga sobre consumo, as fontes de financiamento são retiradas das várias formas de produção e circulação de dinheiro.


Seguridade solidária também porque a previdência, no modelo da Constituição de 1988, não é seguro individual, mas sim um fundo coletivo: a pessoa não recebe pelo que pagou, alguém que paga muito irá receber o teto, de modo a quem paga pouco receber o piso. Vale destacar que a reforma da previdência bolsonarista também coloca em risco as pessoas já aposentadas, pois é na prática o desmonte do sistema atual pelo seu desfinancimaneto d elongo prazo.


Nos mulheres, com dupla jornada de trabalho, trabalhos precários, sem carteira assinada, e baixíssimos salário, empobrecidas, de classe média, negras, domésticas, ambulantes, maquiadoras, manicures, cabeleireiras, camareiras de hotel, faxineiras e professoras terceirizadas da rede publica de educação, agentes de saúde, enfermeiras, e tantas outras profissionais de saúde e assistência social, estaremos todas sem qualquer proteção social.


Sem proteção social significa, sem seguro desemprego, sem pensão por morte para flhos/filhas, com dificuldade de acesso a licença gestante, auxilio doença, limites no acesso a BPC ( beneficio de prestação continuada para casos de imposibilidades permanetes de acesos a trabalho remunerado) e com toda a rede de assistência social sendo sucateada e desfinanciada.


A política familista, do Ministério da Mulher, Familia e Direitos Humanos, a política de segurança, de educação, e todo o programa ultraneoliberal das forças no poder são bloqueios a avanços na luta das mulheres por liberdade e igualdade. Pior que isso, estas políticas corroem as condições materiais e objetivas para autonomia de milhões de mulheres brasileiras da classe trabalhadora ao longo de toda a vida e na velhice. as.

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Mas, como muitos dizem, entre o presente e o futuro está a luta. Gritemos não à reforma ultraneoliberal, patriarcal e racista da previdência. Lutemos pela Seguridade Social, Pública, Universal e Solidária. Por uma política feminista confrontadora das varias formas de exploração das mulheres.

1 Governo Fernando Henrique Cardoso, que mais emendas liberalizantes fez a Constituição de 1988 – marco do Estado De mocrático de Direito com justiça social no Brasil.

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