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As trabalhadoras do lar, escravas da pandemia

 

 

 

Susan Espinoza López

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A situação das Trabalhadoras do Lar na América Latina e no Caribe foi sempre precária, vulnerável e esquecida. Entretanto, com a pandemia, seu trabalho cobrou mais relevância do que nunca nesse setor da economia que emprega uma importante proporção de mulheres nesta região.

A falta de reconhecimento dos direitos trabalhistas, a discriminação, o racismo, a violência de gênero e a exploração são alguns dos problemas com os quais tiveram que conviver as trabalhadoras domésticas em seus trabalhos diários. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 11 e 18 milhões de pessoas se dedicam ao trabalho doméstico remunerado: 93% são mulheres. Além disso, representa entre 10,5% e 14,3% do emprego das mulheres na região. É uma área completamente feminizada e deixada de lado permanentemente pela sociedade, a classe política e os meios de comunicação. A desigualdade salarial, a demissão arbitrária e a instabilidade trabalhista fazem parte das características de seu trabalho. Mais de 77,5% das mulheres empregadas no setor o fazem em condições de informalidade e seus salários são iguais ou inferiores a 50% da média, embora exista em quase todos os países um salário mínimo estabelecido por lei (OIT).

 

A pandemia chegou e o trabalho das trabalhadoras domésticas ocupou um lugar primordial na luta contra o vírus pelo cuidado de meninas, meninos e pessoas vulneráveis, e porque está a seu cargo a limpeza da casa, uma tarefa fundamental para prevenir o contágio do covid-19. Em outras palavras, é um trabalho que, neste contexto, salva vidas e contribui notavelmente para a superação da crise mundial. Apesar do significado do seu trabalho no contexto da emergência sanitária, trata-se de uma das populações mais afetadas pelo “coronavírus”. A disposição do isolamento social obrigatório para frear a onda de contágios trouxe como consequência um grave aumento no número de pessoas desempregadas, uma classe trabalhadora angustiada pela redução ou anulação de seus rendimentos.

A pandemia as afetou de forma diferenciada. As trabalhadoras domésticas se viram obrigadas a aceitar grandes reduções de salários, aumento da carga horária, demissões sem pagamento de benefícios e até sua retenção na casa dos empregadores durante a quarentena, que por “por medo do contágio” mudaram sua modalidade de trabalho de “cama pra fora” a “cama pra dentro”, muitas vezes sem seu consentimento, intimidando-as com a perda de seus postos. A OIT reconhece que mais de 70% das trabalhadoras domésticas foram afetadas com a proximidade das quarentenas. A isso se soma a falta de protocolos de saúde e segurança em seu trabalho, o que as expõe ao risco de contrair o vírus e de transmiti-lo a suas famílias.

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A situação no Peru

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No Peru, há 496 mil pessoas que se dedicam ao trabalho doméstico: 95% são mulheres e 92% trabalham na informalidade. Muitas delas não tiveram acesso à educação e migraram do interior do país para a capital com o objetivo de encontrar uma oportunidade de trabalho que as ajude a sair de sua situação de pobreza. Sua condição é semelhante ou pior em relação à região. Uma lei de 2003 reconhece direitos mínimos e limitados, e o trabalho das instituições do Estado é ineficiente. Em 2018, o Ministério do Trabalho e Promoção do Emprego informou que 4 de cada 10 têm jornadas de trabalho superiores ao máximo permitido por lei (48 horas semanais). A esta desproteção se somam as dificuldades ligadas à pandemia.

 

A Defensoria Pública do Peru advertiu as graves consequências desta crise sanitária na saúde e vida das trabalhadoras domésticas e suas famílias; o rendimento de muitas delas é o único de seus lares. Em um comunicado, a Defensoria lembrou que “já manifestou sua preocupação pela situação atual que este grupo de trabalhadoras enfrenta no estado de emergência”, expressou que “a falta de reconhecimento de seus direitos se vê refletida em tratamentos abusivos por parte de seus empregadores/as” e denunciou que “algumas têm sido obrigadas a tirar férias, despedidas arbitrariamente ou expostas a situações de violência sexual”.

 

Apesar das diversas advertências e das constantes demandas ao Estado, não se implementou nenhuma medida. “Houve demissões massivas sem pagamento de benefícios, [algumas mulheres foram] jogadas na rua sem nenhuma consideração; não lhes importa se estão sozinhas, se são anciãs ou jovens. Do total de quase 500 mil trabalhadoras do lar, apenas 33 mil estão trabalhando, sem descanso, com redução dos salários e alimentos, expostas ao uso excessivo de produtos de desinfecção. As famílias vivem seu mundo e são cuidadas pelas exploradas, suas trabalhadoras do lar”, explicou Paulina Luza Ocsa, integrante da Federação de Trabalhadoras e Trabalhadores do Lar Remunerados do Peru.

 

Desde 16 de março, início da quarentena no país, centenas de trabalhadoras do lar tiveram que escolher entre o cuidado de suas famílias e as famílias de seus empregadores, em um contexto limitado de oportunidades trabalhistas pela emergência sanitária. “Somos um dos grupos mais vulneráveis. Recebemos a pandemia da indiferença, o esquecimento, a sobreexploraçao, o abuso, racismo, classismo, e o tratamento com a ponta do sapato por parte da Presidência do Conselho de Ministros. Indiferença por todos os lados.”, acrescentou Paulina.

 

A pergunta é: quem as protege? Elas mesmas, sindicalizadas, articuladas e organizadas. Em sua agenda, está pendente a criação de uma nova lei no marco da implementação do Convênio 189 da OIT, que o Estado peruano ratificou em 2018 e entrou em vigor em 2019. Esta norma estabelece que os trabalhadores do lar devem ter os mesmos direitos que os demais trabalhadores e exige que os Estados tomem as medidas necessárias para garantir um trabalho digno.

 

Desde a ratificação do Convênio, o Ministério do Trabalho modificou três artigos da Lei dos Trabalhadores do Lar e incorporou a obrigatoriedade do contrato de trabalho escrito, a emissão de recibos de pagamentos, a proibição de atos discriminatórios, a proteção frente ao abuso sexual e o estabelecimento da idade mínima para trabalhar (18 anos). O avanço que chegou tarde e incompleto, em um contexto de crise, no qual milhares de trabalhadoras não poderão gozar do reconhecimento desses direitos, poque ficaram sem emprego. “O decreto é uma formalidade e nada mais. Pergunto à ministra do Trabalho: onde está a regulamentação? Passou mais de um mês desde sua publicação e ainda não existe uma regulamentação para sua implementação”, reclamou Paulina.

 

A elaboração de um Protocolo de Segurança e Saúde diante do covid-19 que inclua a aplicação do teste rápido para todas as e os trabalhadores do lar é outra das demandas urgentes; um total de 60 trabalhadoras contraíram o covid-19 ao cuidar de empregadores/as contagiados/as, segundo a Federação Nacional de Trabalhadoras do Lar do Peru. A rápida implementação de políticas públicas, que protejam e reconheçam seus direitos trabalhistas como direitos humanos, são ineludíveis.

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